quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Ano Novo, o que virá dentro deste ovo?

Ano Novo - Mário Quintana


Lá bem no alto do décimo segundo andar do ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas buzinas
Todos os tambores
Todos os reco-recos tocarem:


- Ó delicioso vôo!


Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada – outra vez criança
E em torno dela indagará o povo:


- Como é o teu nome, meninazinha dos olhos verdes?


E ela lhes dirá


( É preciso dizer-lhes tudo de novo )
Ela lhes dirá bem alto, para que não se esqueçam:


- O meu nome é ES – PE – RAN – ÇA …




É isso que eu espero que venha...

sábado, 25 de dezembro de 2010

Se vale o trem do Adoniran, prq não a viola do Tião Carreiro?

Desde já deixo claro que este texto é como se diz, legislando em causa própria...

Recebi em meados de novembro, um e-mail da lista de grupos do prezado irmão de fé Alexandre Cumino, intitulado "Trem das Onze", e se somente agora resolvi dar tratos à bola sobre o mesmo é prq assim se deu na minha cachola o espaço para tal. Trata o referido e-mail de um culto ocorrido em agosto aos Exus, Pombas-Giras, Exus Mirins e Zé Pelintra, entidade prezadíssima, em especial, aos seguidores da Teologia de Umbanda Sagrada, ainda que seja um Mestre do Catimbó, recebendo vários epítetos e sendo um verdadeiro curinga.


Neste culto, segundo relata o e-mail, no momento da despedida dos vários "Zés" ali presentes, cantou-se a música conhecidíssima de Adoniran Barbosa, ícone do samba paulista, Trem das Onze, para espanto de alguns, porém como os "Zés" nada disseram, ficou como que aprovado, tanto que o próprio Cumino deixou claro que dali por diante, a música passaria a ser ponto de despedida.

Concordo com o prezado irmão quando diz que em cada terreiro, a autoridade máxima é o mentor da Casa ( o que me faz lembrar que os originais mentores de um Terreiro de Umbanda, ainda são ao menos para este servidor, Caboclo e PretoVelho), sendo assim, firmo posição que auto-crítica e lucidez são fatores fundamentais na proposta libertadora de consciências, que acredito ser o objetivo, na existência de um verdadeiro Terreiro de Umbanda. Até onde vivi, os Mentores de Umbanda, propõem e não impõem. E mesmo sendo autoridades máximas dentro de um Terreiro, obedecem e seguem uma Lei Maior.

Não tenho a pretensão de dizer o que pode ou não pode no chão dos outros, cada um que resolva o que serve ou não para si e sua vivência de Umbanda, quem cria nepotismos dentro dos terreiros desde antanhos, somos nós os encarnados, às vezes por nós mesmos, às vezes influenciados por espíritos, SE nós encarnados vamos placidamente acatar, já quem cala consente, ainda mais quando o assunto é "veio do espiritual" ou usar do atributo do livre-arbítrio para perguntar, aí é outra conversa.

Por isso mesmo, aproveitando que a deixa foi dada, uma coisa puxa a outra, se pode a música de Adoniran Barbosa, afeita  a Umbanda paulistana, prq não posso incorporar a música de Tião Carreiro e Pardinho, sem me rotular como ortodoxo ou aos outros de permissivos, mas apenas um observador do que seja a essência, da raiz, nas nossas giras? Sou do interior, de Bauru, gosto de sertaneja como diz meu tio Neno, tocada no pinho, e já que a Umbanda se regionaliza, se adapta, absorve e ressignifica... 

Gosto também de Led Zeppelin, Who, Rolling Stones, Mozart, Debussy, Bach, Villa Lobos, mas aí não sei se aguento tamanha diversidade.

Quem se dispuser a pesquisar as músicas desta dupla sertaneja, vai descobrir o quanto eles falam sobre Preto Velho e Caboclo, e se forem mesmo atrás vão descobrir até sobre Baianos e Boiadeiros,prá ajudar; Preto Velho, Azulão do Reino Encantado, Pai João, Preto de Alma Branca, Pretinho Aleijado, Sete Flechas, Baiano no Coco, Boiadeiro é boi também, entre outras.

Até deixo alguns exemplos, prá quem tiver olhos prá ver, de como casa diretinho, mas antes de sair cantando lá no nosso terreiro, vou perguntar antes aos nossos Mentores qual a opinião deles, vai que o gosto musical não bate não é mesmo?


Arapô, Arapô (Tião Carreiro e Lourival dos Santos)



Ara pô, ara pô (bis)
É ponto de nego véio
De Jongueiro cantador
É no A e é no R
É no P e é no O
Amarrei o leão na linha
E o leão não escapou
Pode crer meu sinhô

É no estilo de jongo
Que cantar agora eu vou
Fui levar uma boiada
Dona Júlia quem comprou
Ela esperou na porteira
O gado ela contou
Ela comprou mil cabeças
Novecentas só passou
Dona Júlia era sabida
Mas comigo se enganou, ara pô, ara pô


Ara pô, ara pô (bis)
É ponto de nego véio
De Jongueiro cantador
É no A e é no R
É no P e é no O
Amarrei o leão na linha
E o leão não escapou
Pode crer meu sinhô


Entrei na roda do jongo
Negro véio me falou
Eu tinha um laço de imbira
Quando eu era laçador
Eu fui amansar uma tropa
Só de burro pulador
Quem levou laço de couro
Foi só laço que estourou
Meu laço era de imbira
Meu laço não rebentou, ara pô , ara pô


Abrindo Caminho

http://www.4shared.com/audio/eMKncFtR/Tio_Carreiro__Pardinho_-_Abrin.html

Eu tenho um bom protetor
Que me segue todo dia
Eu tenho um bom protetor
Que me segue todo dia
Nossa paz, nosso sussego
Só quem dá é o nosso guia


Quando eu saio de casa
Eu deixo uma vela acesa
Que a chama só alegria
Combater toda tristeza
A proteção do meu guia
É minha maior riqueza

"Só quero amor e saúde
E bastante pão na mesa"

Eu tenho um bom protetor
Que me segue todo dia
Eu tenho um bom protetor
Que me segue todo dia
Nossa paz, nosso sussego
Só quem dá é o nosso guia

"Nossa paz, nosso sussego
Só quem dá é o nosso guia`

É Deus quem manda no mundo
Que se salve quem poder
Só sai vencedor na terra
Quem bom protetor tiver
Minha porta ninguém abre
Ninguém fecha o meu caminho
Muita gente me vê só
Mas eu nunca estou sozinho

"Muita gente me vê só
Mas eu nunca estou sozinho"


Fundanga 
http://letras.terra.com.br/tiao-carreiro-e-pardinho/1656606/


Bota fogo na fundanga tira este mal de mim
Fumaça benta que sobe traz meu amor pra mim (bis)

Um dia desse eu briguei com a minha namorada
Tem gente queimando vela pra roubar a minha amada
Feiticeiro trabalhou até alta madrugada
Encontrei o seu lencinho jogado na encruzilhada.

Coitadinha sofre tanto não me esquece um só momento
Se eu perder os seus carinhos vai dobrar meu sofrimento
Feiticeiros quem ver o fim do nosso casamento
Sofre eu sofre e sofre ela é grande o padecimento.

Bota fogo na fundanga tira este mal de mim
Fumaça benta que sobe traz meu amor pra mim (bis)

Qualquer dia vou baixar naquela famosa aldeia
Quero dar tanta pancada que os caboclos desnorteia
E o bando de feiticeiro eu vou cortar de correia
Depois quero que a policia leve todos pra cadeia.

Essa luta eu não perco vou com Deus no coração
Tenho fé no meu São Jorge pai Canário e Pai João
Vou Tirar o Meu amor dessa grande confusão
E colocar aliança no dedo da sua mão.


E prá quem julgar que estou sendo preconceituoso, intolerante em relação a entidade Zé Pelintra, deixo uma sugestão, com vídeo e letra, também do Tião Carreiro, tomara que gostem;

Malandro da Barra Funda

http://letras.terra.com.br/tiao-carreiro-e-pardinho/1785365/



Deixa a gira girar, chora viola!!!!!













sábado, 18 de dezembro de 2010

O vôo da águia - no tempo certo...

Que assim seja para quem acredita que o abismo não é sinônimo de morte!

O vôo da águia
Affonso Romano de Sant'Anna

Já que estamos nesse clima de recomeçar, com a alma limpa para novas coisas, vou iniciar transcrevendo algo que recebi. Havia pensado em outra crônica, coisa tipo "propostas para um novo milênio", como o fez Ítalo Calvino. Mas às vezes um texto parabólico, elíptico, pode nos dizer mais que outros pretensamente objetivos. Ei-lo:

"A águia é a única ave que chega a viver 70 anos. Mas para isso acontecer, por volta dos 40, ela precisa tomar uma séria e difícil decisão.

Nessa idade, suas unhas estão compridas e flexíveis. Não conseguem mais agarrar as presas das quais se alimenta. Seu bico, alongado e pontiagudo, curva-se. As asas, envelhecidas e pesadas em função da espessura das penas, apontam contra o peito. Voar já é difícil.

Nesse momento crucial de sua vida a águia tem duas alternativas: não fazer nada e morrer, ou enfrentar um dolorido processo de renovação que se estenderá por 150 dias.

A nossa águia decidiu enfrentar o desafio. Ela voa para o alto de uma montanha e recolhe-se em um ninho próximo a um paredão, onde não precisará voar. Aí, ela começa a bater com o bico na rocha até conseguir arrancá-lo. Depois, a águia espera nascer um novo bico, com o qual vai arrancar as velhas unhas. Quando as novas unhas começarem a nascer, ela passa a arrancar as velhas penas. Só após cinco meses ela pode sair para o vôo de renovação e viver mais 30 anos."

Esse texto foi mandado como um cartão de fim de ano pela Rose Saldiva, da Saldiva Propaganda. Tem mais um parágrafo explicitando, comentando essa parábola e o titulo geral é "Renovação".

Achei que você ia gostar de tomar conhecimento disto, sobretudo quando janeiro nos inunda com sua luz.

Este texto vale mais que mil ilustrações.

Sei como é difícil uma nova ou surpreendente idéia para cartão de fim de ano. Mas esse, além de bater fortemente em nosso imaginário, dispara em nós uma série de correlações e desdobramentos.

A: abertura é seca e forte. Não há uma palavra sobrando. Parece as batidas do destino na Quinta Sinfonia de Beethoven. 

Releiam. "A águia é a única ave que chega a viver 70 anos. Mas para isso acontecer, por volta dos 40, ela precisa tomar uma séria e difícil decisão.” ·

Já li em algum lugar que Jung dizia que, em torno dos 40, alguma coisa subterrânea começa a ocorrer com a gente e os seres humanos sentem que estão no auge de sua força criativa. É quando podem (ou não) entrar em contato com forças profundas de sua personalidade.

Já ouvi de especialistas em administração de empresas que tem uma hora em que elas começam a crescer e seus dirigentes têm que tomar uma decisão — ou fazem com que cresçam de vez assumindo mais pesados desafios ou, então, fecham, porque ficar estagnado é apenas adiar a morte.

Já mencionei em outras crônicas o personagem Jean Barois (de Roger Martin du Gard) que fez um testamento aos 40 anos, quando achava que estava no auge de sua potência intelectual, temendo que na velhice, carcomido e alquebrado, fizesse outro testamento que negasse tudo aquilo em que acreditava quando jovem. Com efeito, envelhecendo, fez realmente outro testamento que desautorizava e desmentia o anterior. É que sua perspectiva na trajetória da vida mudara, como muda a de um viajante ou a do observador de um fenômeno.

O ano está começando.

Mais grave ainda: um século está se iniciando.

Gravíssimo: mais que um ano, mais que um século, um novo milênio está se inaugurando.

Três vezes Sísifo: o ano, o século, o milênio.

Sísifo — aquele que foi condenado a rolar uma pedra montanha acima, sabendo que quando estivesse quase chegando no topo — cataprum!... a pedra despencaria e ele teria que empurrá-la, de novo, lá para o alto.

Pois bem: "A águia é a única ave que chega a viver 70 anos. Mas para isso acontecer, por volta dos 40 anos, ela precisa tomar uma séria e difícil decisão. Nesta idade suas unhas estão compridas. Não conseguem mais agarrar as presas das quais alimenta. Seu bico, alongado e pontiagudo, curva-se. As asas, envelhecidas e pesadas em função da espessura das penas, apontam contra o peito. Voar já é difícil.” ·

Nossa sociedade pensou ter inventado uma maneira de resolver, nos seres humanos, o drama da águia: a cirurgia plástica. Silicone aqui e acolá, repuxar a pele acolá e aqui, pintar e implantar cabelos. Isto feito, a águia sai flanando pelos salões, praias, telas, ruas, escritórios e passarelas.

Mas aquela outra águia prefere uma solução que veio de dentro. Talvez mais dolorosa. Recolher-se a um paredão, destruir o velho e inútil bico, esperar que outro surja e com ele arrancar as penas, num rito de reiniciação de 150 dias.

Então a águia, digamos, acabou de descasar.

(Tem que redimensionar seu corpo e seus desejos, desmontar casa e sentimentos, realocar objetos e sensações, reassumir filhos.)

Então a águia, digamos, acabou de perder o emprego.

(Tem que descobrir outro trajeto diário, outras aptidões, enfrentar a humilhação.)

Então, a águia,digamos, acabou de mudar de país.

(A crise ou o amor levou-a a outras paragens, tem que reaprender a linguagem de tudo e reinventar sua imagem em outro espelho.)

Então, a águia, digamos, acabou de perder alguém querido.

(É como se uma parte do corpo lhe tivessem sido arrancada, sente que não poderá mais voar como antes, que o azul lhe é inútil.)

Então, a águia, digamos, está numa nova situação em que está sendo desafiada a mostrar sua competência.

(Tem medo do fracasso, acha que não terá garras nem asas para voar mais alto.)

Então, a águia, digamos, andou olhando sua pele, sua resistência física, certos achaques de velhice.

Pois bem. Há que jogar fora o bico velho, arrancar as velhas penas, e recomeçar.

Época de metamorfose.

Os estudiosos da metamorfose dizem que não apenas larvas se transformam em borboletas. Para nosso espanto as próprias pedras passam também por silenciosas metamorfoses.

Enfim, parece que estamos condenados à metamorfose. Morrer várias vezes e várias vezes renascer. Até que, enfim, cheguemos à metamorfose final, onde o que era sonho e carne se converte em pó.

Mas que fique sempre no azul o imponderável vôo da águia.

Texto extraído do jornal “O Globo”, Segundo Caderno, edição de 03/01/2001, pág. 8.