sábado, 28 de abril de 2012

ESSAS DEFESAS NOS PROTEGEM?

Acho que acontece o contrário; defendemo-nos de coisas excelentes, fabricando uma casca protetora, verdadeira couraça...

Todos criamos cascas protetoras, para nos defender dos outros. Bichos cascudos têm pouca mobilidade, e machucam os outros. Uma velha tradição diz que o ser humano faz tudo para ter prazer na vida, e evitar a dor. Verdade?

Normalmente não procuramos demonstrar o amor que sentimos, quando amamos. Amor é ruim? Feio? Dói? Também evitamos o choro, mesmo quando a vontade é grande. Choro é feio? Dói?

A mulher e o homem apaixonados se encontram. Têm vontade de pegar um na mão do outro, afagar o cabelo, abraçar, olhar nos olhos, puxar o nariz, brincar de faz de conta, manifestar ternura, contentamento, alegria, felicidade. Mas em geral não fazem nada disso. Tolhem os gestos mais espontâneos e ingênuos, que não são feios nem doem. Dariam prazer?

De fato (e INFELIZMENTE) na hora das coisas boas ficamos cheios de dedos. Não sabemos senti-las, muito menos nos entregar a elas. E usamos desculpas para esconder nossa incapacidade. Dizemos:
- Não estava na hora.
- Ele não é a pessoa certa.
- O lugar não era adequado.
- O que iriam pensar?
- Não devo, não sou dessas.

Verdade que procuramos prazer e evitamos a dor?

Acho que acontece o contrário: defendemo-nos de coisas excelentes, fabricando uma casca protetora, verdadeira couraça. Os psicanalistas a chamam de defesa psicológica ou mecanismo de fuga ou de proteção.

Toda casca faz do indivíduo um especialista? Ele sempre responderá às incertezas do mesmo jeito. Por isso, se torna muito capaz numa direção, e incapaz na outra.

Alguns exemplos:



O desdenhoso sabe desdenhar espetacularmente, mas sua habilidade termina aí.

O orgulhoso é especialista em colocar-se acima das coisas, e incapaz de vivê-las.

O gozador tem grande capacidade em rir de tudo, porém, não sente nada de importante, já que tudo é risível.

O sério julga o mundo sério demais e achata a vida. Não sabe rir...

O displicente não leva nada a sério, então, não há nada que lhe interessa.

A ingênua diz com espanto nos olhos que tudo é novo, mesmo acontecimentos velhos de muitos anos. E não se enriquece com o acúmulo das experiências.

O cobrador vive exigindo que as pessoas cumpram sua obrigação, com isso elimina a possibilidade (e risco) das respostas espontâneas.
O desconfiado está sempre desconfiado e afasta as coisas boas que interpreta como malévolas.

A eterna vítima é técnica em queixar-se, portanto não se arrisca a viver uma situação agradável.

O Don Juan transforma a vida numa caçada às mulheres, porém é incapaz de amar alguém.

O falador interminável teoriza sobre tudo e não vive, a vida é um dicionário.

:: Esses são só alguns exemplos de cascas. Pois há tantas...e todas dificultam a vida. Como se fossem óculos escuros, impossibilitando a visão do arco-iris.

:: O cavaleiro medieval, armado de imponente armadura, investe contra o índio nu. Casca e não casca. Quem vai ganhar?

Se for preciso passar por uma ponte estreita (ou seja, por um momento difícil) é quase impossível manter o equilíbrio com a armadura. O índio ganha se surgir um perigo inesperado; como é que o cavaleiro se defenderá? Ele só sabe fazer as coisas de um jeito (é um especialista). O índio ganha. Se acontecer um empurrão (isto é, se as pressões sociais forem muitas), o cavaleiro não resiste e cai. O índio ganha.



Além disso, durante todo o tempo da luta, o encouraçado tem a respiração deficiente. Em conseqüência disso, ele pensa, sente e se mexe mal, pois a casca feita, na verdade, por tensões musculares que prendem, como uma roupa apertada, inibe todas as expansões.

Voltando aos exemplos:

Como o cavaleiro encouraçado, o desdenhoso, a vítima, o orgulhoso e os outros cascudos, especializados em suas defesas se movem, respiram, se sentem mal, vivem mal.
Todo bicho muito cascudo: tartaruga, besouro, morre quando cai de costas. ! Seria bom aprender esta lição !

A casca oprime, limita e sufoca. Nos torna burros em todas as reações que fogem a nossa especialidade. Nos deixa tenso e sem reações de forma que deixamos a vida passar sem realmente vivê-la, como se passa o tempo...


José Ângelo Gaiarsa - Couraça Muscular do Caráter (Wilhelm Reich) - Ed. Ágora - 4ª ed. - 1984

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