Minha alma é disputada todos os dias,
os defensores dos animais querem que eu sinta como eles próprios e os animais, assim serei um humano melhor
os vegetarianos querem que eu coma como eles, assim viverei melhor
os veganos querem que eu radicalize como eles, assim serei distoante melhor
os carnívoros querem que coma carne, e dane-se se o cheiro do churrasco me enjoa
os anticorinthianos querem que eu Campeão da Libertadores invicto, dane-se
os pedintes querem que eu os alimente todos os dias, pois isto sim é ato de um ser melhor
os ladrões querem que eu tenha dinheiro todos os dias, isto é é o melhor para eles e até certo ponto, para mim
os céticos querem que eu corroa o impalpável como suas racionalidades ácidas, assim serei menos domesticável
os cristãos querem que eu seja salvo como eles, assim serei um filho de Deus melhor ou ao menos terei garantida a herança que já era minha
os revolucionários querem que eu levante suas bandeiras, assim farei parte dos que irão mudar o mundo, e talvez serei salvo e ser melhor e estar entre os que enxergam o mundo ideal
os oprimidos do mundo querem que eu me zangue como eles, me incomode com eles e por eles e cuspa e grite e marche e manche e pinte e cause e acorde e afronte o sistema em nome da causa, mas em meio a tanta poeira, fumaça e apito já não sei qual era mesmo a causa e qual sistema se pretendia derrubar, e ai de mim com a velha mania de perguntar; Para que lado mesmo estamos indo?
os arautos da ordem e do progresso querem que eu siga suas normativas, pois sabem o que é certo como dois e dois são 4, nunca um swing, uma partida de pif paf, um jogo de truco entre duplas, um mini torneio de fifa soccer, nunca 22, nunca dois patinhos na lagoa
os traficantes querem que eu lhes aperte a mão, tendo nela dobradinha uma nota de 50 e que seja ágil e suma rápido com a garantia de ser melhor ou menos pior por, sei lá, 40 segundos
os políticos querem que eu acredite piamente que eles irão mudar o sistema administrativo que nos conforma, apenas porque seus ideais são nobres, justos e atendem aos anseio popular de que todos são iguais, mas não explicam como farão isso, sendo os desiguais
os espíritas querem que eu entenda que o pensamento é tudo e nada existe fora dele, só não sei o que Deus pensa disto, aliás... Deus ... pensa?
os umbandistas querem que eu bata cabeça aos Orixás sem questionar, pois eles sabem o que é melhor para mim e só resta acatar e louvar e louvar e louvar e louvar e girar e girar e girar e girar e bater tambor e bater tambor e bater tambor
Eu mesmo não sei o que quero com exatidão o que seria o correto ou o mais correto,
o mais seguro e tranquilo para minha vida,
faculdade tal, emprego tal, camisa tal, posição sexual tal
nunca soube, mas fingia muito bem saber
E um dia alguém disse, quem não sabe o que quer é levado pelos que sabem
só que em meu caso, eu não soube querer o que queriam saber para mim
e faço, aos trancos e barrancos, mas faço meu próprio caminhar
já tropeçei inúmeras vezes, já desisti de receber o diploma disto e daquilo faltando uma semana
já magoei um ou dois grandes amores e os feri a ponto de irem embora para muito longe
já abusei da paciência do grande amor que vivo hoje e o fator que me diz que
é possível eu tenha salvação, é que no instante seguinte me ergo e avanço
Só quem não quer que eu diga sim ou amém ou presente ou ahá uhú são os acanhados convites que recebo de Cecília Meireles, Rubem Alves, Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Niesztche, Fernando Caio Abreu, Tagore, o Cântico dos Cânticos, o Rubayat, Wagner Borges, André Luiz, Pai Tinoco, Irmã Maria Amélia
Estes e muitos outro me acenam às vezes ao longe, às vezes mais próximas
e se decido ir ao seu encontro
a apreciação da paisagem, o aroma das matas, as ervas à beira do caminho,
ter comigo uma garrafa dágua
ou beber no rio que passa, seguir enquanto há sol ou acender a lanterna
ficam ao meu encargo
E quando chego lá de onde me acenavam, já não mais estão
Mas e daí?
Eu igualmente já não sou aquele que recebeu o aceno e deu o passo adiante.
Nem sempre mesmo eram eles que eu busquei, mas muito mais os seus acenos
Ps: o título do texto foi retirado do poema de Florbela Espanca;
Fanatismo
Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão de meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!
"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, vivo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!..."
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