segunda-feira, 12 de julho de 2010

Cuidado com o que você ouve! E repete sobre Umbanda - parte 1

Acordar às 5:30 da madrugada para ir trabalhar é uma experiência transformadora! Há poucos sons, o enorme silêncio, a expectativa na passagem dos portais das sombras para a luz, por onde muitos seres chegam e se vão. Fosse eu um estudante espiritual disciplinado, acordaria às 5hs e dedicaria 30 minutos do novo dia a meditação. Isso, tenha certeza, faz enorme diferença para quem tem sensibilidade mediúnica, em especial.

A meditação é uma prática saudável, em muitos sentidos, e nos desperta para realidades maiores, interna e externamente. Mas enquanto tal despertar não acontece de modo pleno, passo a passo na prática diária, há uma melhor percepção na atenção.

Atenção, 2º Aurélio é: "Aplicação cuidadosa da mente a alguma coisa; cuidado, concentração", e eis uma atitude extremamente importante quando o assunto se refere ao que lemos e ouvimos sobre Umbanda, sua história e suas estórias.

A disseminação de informações, textos e afirmações, sem o qual quem assim faça, se dê ao trabalho cauteloso e recomendável de investigar se a fonte é ou não confiável ou verídica, é espantosa. O blog Registros de Umbanda, capitaneado por Renato Guimarães e Pedro Kritski, publicou o texto abaixo. Deixo claro que não os conheço pessoalmente, mas temos razoável período de convivência virtual, com considerável fluxo de trocas de idéias, convergentes e divergentes, me permitindo atestar a idoneidade e seriedade de propósitos dos mesmos.

"Memórias de algumas tendas de Umbanda do Brasil – lista simples atualizada"
http://registrosdeumbanda.wordpress.com/



Neste, através de pesquisas, análises, cruzamentos exaustivos sobre documentos e textos, Renato Guimarães pôde indicar que até o momento, a 1ª TENDA DE UMBANDA surgiu em 1908, a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade.

Ressalto que o mesmo não é, como muitos "classificariam", zelista (defensor ou seguidor do Sr. Zélio). Sua postura como pesquisador é a de isenção sobre as possíveis e plausíveis evidências avistadas nos documentos, relatos e pesquisas. Diga-se de passagem, qualidade das mais raras entre os que se propõe estudar sobre a história e as estórias da Umbanda. A pesquisa histórica não é "ciência" de achismos, onde 2+2 é com exatidão 5 ou 22, conforme o gosto do freguês, pois novos dados podem surgir e levar para outros entendimentos, novas leituras, além do que é preciso verificar com qual interesse quem publica ou utiliza dados históricos quer se valer para vender o seu peixe. 



Mas se está tudo certinho e atestado qual o problema? Com o texto do Renato nenhum, mas leia com atenção o texto seguinte. Destaco que até hoje, não consegui descobrir quem é o autor do mesmo, de onde tirou a base e nem quando foi publicado pela primeira vez;

"A diferença entre “Tenda” e “Terreiro”

A partir de 1904, começaram a surgir no Rio de Janeiro várias casas de Umbanda denominadas de "tendas”. O termo tenda era utilizado para designar e distinguir a forma de culto adotado. Tenda era a casa de Umbanda que era estabelecida em um sobrado, ou seja, no alto, pois era comum naquela época realizar sessões nestes lugares. Como exemplo, Tenda do Caboclo-Mirim, Tenda do Caboclo da Lua, Tenda de Ogun Megê e assim sucessivamente.

Já o termo terreiro foi adotado para designar aquelas casas que eram estabelecidas no chão. Daí serem classificadas de “Terreiro de Umbanda”. O terreiro foi muito mais difundido do que as tendas devido ao próprio espaço oferecido para culto e foi com esse tipo de associação religiosa que a Umbanda conquistou boa posição no país."



Leu com atenção? Então vamos a algumas considerações:

"A partir de 1904, começaram a surgir no Rio de Janeiro várias casas de Umbanda denominadas de "tendas”. O termo tenda era utilizado para designar e distinguir a forma de culto adotado.”.

Pede-se com ansiedade a quem publicou e a quem reproduz este texto (e não são poucos), que digam de onde tiraram a comprovação de que em 1904 já existia Umbanda de forma identificada, a ponto de existirem casas já se denominando tendas de Umbanda.

Pois se a Umbanda surge anunciada em 1908, bem como a denominação Tenda, designando as casas de Umbanda criadas pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, não é difícil concluir que quem PASSOU assim a se identificar era quem NÃO PRATICAVA Umbanda até ali e para fugir da perseguição policial e religiosa, assim o fez, pegando carona nas ações de organização do novo culto que se afirmava.


"O termo tenda era utilizado para designar e distinguir a forma de culto adotado. Tenda era a casa de Umbanda que era estabelecida em um sobrado, ou seja, no alto, pois era comum naquela época realizar sessões nestes lugares."

Puro achismo! Ou ainda, indica que a intenção é justificar que após o anúncio e fundação em 1908, houve uma espécie de diferenciação quase discriminatória, poderíamos entender implicitamente:

Sobrado = lugar de culto de gente branca, letrada, com posses.

Terreiro = lugar de culto de gente preta, analfabeta e pobre.

Dai...


"O terreiro foi muito mais difundido do que as tendas devido ao próprio espaço oferecido para culto e foi com esse tipo de associação religiosa que a Umbanda conquistou boa posição no país."



Nem me atrevo a supor (e citar João do Rio, autor de "As Religiões do Rio" publicado em 1904) que a cada 10 metros existiria um lugar onde um grupo se reunia para manifestação de espíritos ou Orixás (e nem por isso se denominariam Candomblé), e ao perceberem a brecha na busca de representatividade e gradativa aceitação do novo culto, se autointitularam e divulgaram que ali se praticava Umbanda. Como aliás quase não vemos mais nos dias de hoje não é mesmo?

O que justificaria também o fato de que a Umbanda "de sobrado" (de gente branca ligada ao espiritismo) não vingou e a Umbanda "de terreiro" (de gente preta ligada ao africanismo), sim.

O que o texto pretende incutir é que o simples fato de haver manifestação de espíritos identificando-se como Caboclos (ou indígenas) e Pretos Velhos (ou africanos), antes de 1908, por si só já justificaria afirmar que existia Umbanda, enquanto culto. Porém, o que não atentam ou não querem atentar, é averiguar se estes mesmos espíritos estariam afeitos à Lei de Umbanda,
anunciada com os objetivos preconizados pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas. Será que foi à toa que este Caboclo disse: "espíritos de africanos e índios que NÃO ENCONTRAVAM espaço para trabalharem"?

Quem se propõe a estudar com seriedade, encontra referências em autores sérios, tais como Leal de Souza e Matta e Silva. Leal de Souza foi o primeiro a escrever sobre Umbanda, sua capacidade e lisura são incontestáveis. Foi ele quem primeiro citou o Sr. Caboclo Curugussu como o precursor ( o que vai adiante, anuncia a chegada) da Linha Branca (de Umbanda), trabalhando até o advento do Sr. Caboclo das Sete Encruzilhadas. Matta e Silva em seu livro 'Umbanda e o Poder da Mediunidade", pags. 13 até 18, Editora Freitas Bastos, 3ª edição, 1987, traz alguns subsídios, citando outras possíveis entidades pelos quais, já diziam seus médiuns, atuar na "linha de Santo de Umbanda". 


Continua...  

2 comentários:

Daniel Vinhas disse...

A felicidade de encontrar este blog de Umbanda é tremenda, pois assim como o blog Registro da Umbanda este sem dúvidas também é sério, com método e muito perspicaz, o que não faz dele o dono da verdade, mas abre para uma série de reflexões sérias e profundas sobre a Umbanda.
Concordo que exista muito Oba-oba sem reflexão e basta um dizer algo que saem repetindo sem reflexão.

Parabens! Virei seguidor e leitor assiduo do blog.

Daniel Vinhas disse...

Parabens pela seriedade do blog e pelo incentivo a reflexão crítica